Autor: Aline - Data: 02/06/2025 09:06
Entregadores via aplicativo participam de audiência pública na ALMG





De um lado, o “corre” de todo dia. Do outro, a luta por um trabalho digno em que sejam respeitados os direitos fundamentais da categoria. Esse é o desafio constante na rotina dos entregadores de aplicativo, que participaram, na última quinta-feira, 22 de maio, de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A gíria “corre” é usada entre motoboys e motogirls para descrever a rotina árdua da categoria, que deve ser proativa, trabalhar duro e não ter medo de enfrentar dificuldades, resolvendo problemas rapidamente. Mas a solução de alguns desses problemas, sobretudo quando relacionados à remuneração e às condições de trabalho da categoria, parecem estar longe do fim, conforme relatos na audiência, solicitada pela presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Bella Gonçalves (PSOL).A parlamentar articula com o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) e outros representantes dos poderes legislativos estaduais de outros estados, a formulação de um novo projeto de lei mais abrangente que ataque diretamente o problema.
A primeira tentativa nesse sentido não prosperou. O Projeto de Lei Complementar Federal (PLC) 12/24, elaborado pelo Executivo federal no início do ano passado, buscava regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativo para transporte de passageiros, mas sofreu forte resistência e teve sua tramitação paralisada na Câmara Federal. Bella Gonçalves lembrou que o maior empregador do Brasil atualmente, a empresa JBS, tem cerca de 150 mil empregadores, enquanto Uber e IFood, segundo estimativas, já que as plataformas não divulgam números, reuniriam 909 mil entregadores.
A parlamentar lembrou o “Breque dos Apps”, movimento nacional deflagrado em 2020 e que teve mais uma edição no final de março, que reivindica sobretudo reajustes nos valores pagos por entrega/corrida e por quilômetro percorrido. “Como resposta, deram um aumento irrisório de R$ 0,50 (bicicletas) a um real (motos) na taxa de entrega. É urgente a regulamentação para no mínimo conseguirmos transparência nessa relação com os trabalhadores”, afirmou. O deputado Luizinho (PT) foi além e comparou essa relação como similar à escravidão. “E vai piorar. A China está entrando com tudo no mercado brasileiro por meio da plataforma Meituan e ela não vai concorrer com quem já está aqui melhorando a vida dos trabalhadores. Ela visa dominar o mercado pagando ainda menos, por isso agora é a hora do poder público atuar”, analisou.
Bella Gonçalves lembrou ainda que a baixa remuneração, precárias condições de trabalho e falta de transparência se somam à incerteza de que quem sai para trabalhar e não sabe se conseguirá voltar bem para casa e a família. Segundo ela, no ano passado, foram registradas 96 mortes em Belo Horizonte de trabalhadores de aplicativo, nenhuma delas registrada como acidente de trabalho. De acordo com a parlamentar, em janeiro e fevereiro mais de mil motociclistas acidentados teriam dado entrada no Pronto-Socorro do Hospital João XXIII (HPS), a maior parte na mesma condição. Na avaliação da parlamentar, felizmente, aos poucos a categoria toma consciência de que não são empreendedores, mas sim trabalhadores sem direitos, explorados ao máximo, muitas vezes transportando mercadorias que não têm condições de consumir.
Quatro pautas básicas e provocação como resposta: Uma das organizadoras do último “Breque” em Belo Horizonte, Jéssica Magalhães, entregadora e integrante do coletivo feminino “Minas no Trecho, reforçou que a categoria precisa urgentemente se unir, independentemente de ideologias. Foi dela o depoimento mais contundente, que resumiu o drama vivido atualmente por todos os entregadores. “Só assim, com orgulho, coragem e dignidade vamos garantir que não sejamos mais marginalizados e desrespeitados”, apontou. Ela elogiou a realização da audiência pela Comissão de Direitos Humanos e conclamou a categoria a aceitar toda ajuda possível na luta por direitos. Segundo ela, tomando como base o último “Breque”, com apenas quatro pautas básicas a chance de serem ouvidos e vencer é maior. A primeira delas é o aumento do valor mínimo por entrega, que hoje é em média R$ 6,50, para R$ 10.
A segunda é o fim das chamadas rotas agrupadas sem pagamento integral. As plataformas muitas vezes exigem entregas casadas, num mesmo endereço, por exemplo, pagando um valor irrisório pela segunda delas. Isso sem contar que, em caso de devolução, o valor da corrida é de apenas 50% pela mesma distância, conforme relatos na audiência. A terceira demanda é o limite de quilometragem para entregas com bicicletas. Segundo relatos feitos na audiência, tem se tornado cada vez mais comum corridas de bicicleta receberem corridas mais longas, de seis ou sete quilômetros, enquanto motos recebem corridas bem menores, tudo para maximizar o lucro dos aplicativos de entrega. A quarta e última reivindicação é do reajuste pelo quilômetro rodado, outra forma de remuneração, de R$ 1,50 para R$ 2,50.
Segundo Jéssica Magalhães, as demandas não param por aí. Vão desde a criação de pontos de apoio para cada plataforma com horários diferenciados para cada segmento (transporte de passageiros e entregas), com itens básicos como banheiro feminino, até seguro de vida e atendimento humanizado. “Quando precisamos resolver algum problema, o atendimento é só por robôs. O Joe (nome de fantasia dado ao chat automatizado de uma das plataformas) não entende nada. Com isso, muito entregador é bloqueado injustamente”, exemplifica. Ainda de acordo com ela, a última no “pacote de maldades” dos aplicativos é a tentativa de forçar os entregadores a aderirem ao agendamento. Eles precisam definir antecipadamente horários de trabalho o que, na prática, segundo ela, facilitaria uma maior manipulação na distribuição das corridas e pagamentos menores sem que a empresa corra o risco de ficar sem trabalhadores disponíveis.
Antes tarde do que nunca: Apesar das dificuldades de mobilização e a complexidade das reivindicações, alguns participantes da audiência mostraram satisfação por observar que os entregadores já percebem a manipulação de que são vítimas. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas e Ciclistas de Minas Gerais, Rogério dos Santos Lara, reconheceu, por exemplo, o atraso em que a entidade que representa se encontra. “Nosso sindicato está lutando por coisas que outros sindicatos já ganharam lá atrás; em tão, parem com discurso de que CLT não serve e de que não querem carteira assinada”, receitou. Ele também desmistificou o discurso de que esses trabalhadores teriam autonomia de trabalho. “Parem também com essa falácia. Vocês não colocam preço, não escolhem rota nem o valor do serviço. Infelizmente, vocês não são donos de seus negócios”, emendou. Ele propôs ainda que a categoria mire suas ações na aplicação da Lei Federal 12.436, de 2011, a chamada Lei Habib’s, que veda o emprego de práticas que estimulem o aumento de velocidade por motociclistas profissionais.
Ao refletir sobre a questão, a professora da Faculdade de Direito da UFMG, Daniela Muradas Antunes, lembrou uma antiga utopia humana, o chamado "sonho de soberania sobre o tempo", e questionou os trabalhadores de aplicativos se eles, de fato, têm isso. Ela afirmou que boa parte das demandas da categoria já está contemplada na legislação atual, e cumprida nos empregos formais. “Toda classe trabalhadora emancipatória quer se ver livre do patrão. Mas, no caso dos aplicativos, o discurso foi apropriado pelo capitalismo. Será que o sonho de ficar sem patrão não está nos levando a uma governança algorítmica muito mais opressora que as formas tradicionais”.
Peterson Ramos, outra liderança dos entregadores e fundador do seu próprio serviço de entregas, denunciou o que definiu como “gameficação” dos aplicativos de entrega. “Com pequenas recompensas, eles viciam os trabalhadores. Esse serviço é nocivo na rua e nocivo na mente”, explicou. Ele lembrou que os aplicativos funcionam como intermediários, figura que não existia no mercado de entregas na década de 1990. “O entregador era contratado direto pela loja, sabia com quem reclamar. Agora como apelar para um intermediário por melhorias na remuneração e nas condições de trabalho? Está tudo errado”, definiu. (Ass. Com. ALMG)
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
Relacionadas

-
O vereador Pedro entre os filhos de sr. Delzio: D...
-
O documento foi entregue pelo morador Agnaldo, ne...
-
Relatos de participantes de audiência da Comissão...
-
Substância foi colocada durante sessão da Câmara ...
-
Manutenção na via pública ocorreu no início desta...