Autor: Carlos Alberto - Data: 16/05/2020 10:27

Uma "prosa" sobre racismo, injúria racial e vitimismo. ( II )

Juiz de Direito e formador de opinião edita a 2ª parte de seu artigo "Uma "prosa" sobre racismo, injúria racial e vitimismo
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.... coninuação

INJÚRIA QUALIFICADA. Com o advento da Lei 9.459/1997, acrescentou-se uma qualificadora ao artigo 140 do Código Penal, estabelecendo o §3°, consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, e mais tarde com o advento da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) inseriu-se a referência a pessoa idosa ou portadora de deficiência e assim foi criado o tipo penal da injúria qualificada: Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (…) § 3° Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa.

Para esta ‘prosa’, que busca diferenciar o crime de racismo com o da injúria qualificada, oportuno de antemão assentar que o agente que responde por injúria na forma qualificada pode-se valer dos institutos da prescrição e fiança ao passo que o mesmo não ocorre com aquele contra o qual é imputada a prática de racismo.

A conduta exigida para o cometimento do crime de injúria qualificada é o animus injuriandi, consistente na vontade de ofender a honra subjetiva de outra pessoa (dolo). Neste caso, o agente profere palavras de cunho racista somente direcionadas a vítima.

Injúria preconceituosa A Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, adicionou uma nova modalidade de injúria ao Código Penal, inscrita no art. 140, §3º. Posteriormente, o mesmo dispositivo teve sua redação alterada pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que vigora até os dias atuais da seguinte forma: § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.

A modificação de 2003 introduziu a referência à pessoa idosa e aos portadores de deficiência, elevando, ainda, a pena para reclusão de um a três anos e multa. Os elementos objetivos do tipo, cor, raça, etnia e religião, são os mesmos previstos na Lei n. 7.716/89, com exceção do acréscimo dos portadores de deficiência e dos idosos. O elemento subjetivo é o dolo de injuriar, que consiste na vontade livre e consciente de ofender a honra subjetiva da vítima, utilizando de argumentos ligados à raça, cor, etnia, religião, origem, ou por sua condição de idosa ou portadora de alguma deficiência.

Chama-se de injúria racial, espécie da injúria preconceituosa, quando o autor do crime, fundado na raça, cor ou etnia, ofende a honra subjetiva da vítima. Salienta-se que a injúria não se confunde com os crimes da Lei n. 7.716/89, o bem jurídico da primeira é a honra subjetiva da vítima e, como vimos anteriormente, o bem jurídico do segundo é a igualdade.

Dessa forma, diferentemente do racismo, no crime de injúria racial o juiz poderá conceder a liberdade provisória mediante fiança, conforme estabelecido no Código de Processo Penal. Também, os crimes de injúria racial não são imprescritíveis, como o crime de racismo que recebeu proteção mais rigorosa pela Constituição Federal (art. 5, XLII). Quanto à tipificação das condutas, na prática há uma grande dificuldade quando no caso concreto a ofensa faz menção apenas à raça. Por exemplo, chamar alguém de “negro”, “alemão”, “japonês”, “índio”, caracterizaria a injúria qualificada por preconceito? Depende uai. Mas de quê? Do dolo como você se refere ao se dirigir ao outro, de modo que há muitos equívocos ao classificar uma conduta injuriosa como crime de racismo independentemente do que de fato tenha havido.

Damásio de Jesus, grande penalista falecido recentemente, teceu crítica sobre o equívoco do legislador: “Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’, etc., desde que com vontade de ofender-lhe a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa, maior do que a imposta por homicídio culposo (1 a 3 anos de detenção, art. 121, § 3º) e a mesma pena do autoaborto (art. 124) e do aborto consentido (art. 125). De modo que, creio, desde que se paute com dolo, pois sem a presença deste teremos um indiferente penal.

Ora, além do elemento subjetivo, qual seja, o dolo, para tipificação da conduta é necessária a presença dos elementos objetivos, para tanto, deve haver a exteriorização da conduta, superando a fase de mera elaboração intelectual: Chamar um homem de pele escura de “negro” ou outro de pele clara e cabelos loiros de “branco” ou “alemão”, ou dizer de um membro das religiões judaica ou evangélica, que são respectivamente “judeu” e “crente”, por si só, embora possa revelar conduta deselegante a até preconceituosa, não necessariamente caracterizará o crime de injúria. Nesse sentido, para caracterizar o crime de injúria por preconceito é necessário que o termo utilizado seja empregado no sentido negativo, com intenção de diminuir o conceito moral do ofendido, atingindo-lhe o decoro ou a dignidade. As simples referências às palavras isoladas, nesse caso, não configurarão delito algum, segundo, Christiano Jorge Santos.

Assim, a injúria qualificada poderá ser afastada no caso de alegação de animus jocandi, em outras palavras, quando a intenção era de apenas uma brincadeira, um gracejo. No Brasil, todo cuidado é pouco. O assunto ganha repercussão, pois é comum as piadas envolvendo raças, cor, gênero, orientação sexual, entre outros, sobretudo se atentarmos para o fato de que o tupiniquim é ‘folgado’, ‘piadista’, e cheio de ‘graça’, sempre gostou de brincar com a desgraça própria ou alheia.

Dessa forma, em razão desse comportamento enraizado na sociedade, foi inserido no ordenamento jurídico o crime de injúria, com a finalidade de reprimir o preconceito independente da forma em que é exteriorizado. Isto é com ou sem dolo. Cabe ressaltar que a ausência do dolo no caso de animus jocandi ocorrerá apenas em condições excepcionais, ou seja, no caso em que a conduta seja unicamente com objetivo de gracejar, sem qualquer vontade de ofender.

No entanto, é cediço que na prática esse comportamento de gracejo envolvendo raça, cor ou etnia carrega certa malícia por parte de quem faz a brincadeira e, também, por quem acaba rindo da piada. Quem acha engraçada uma piada preconceituosa está na verdade concordando no íntimo com aquilo, pois, caso contrário, não acharia graça alguma. Não consigo divisar o crime de injúria racial em caso de ‘brincadeira’, sem que essa ‘brincadeira’ não esteja recheada de dolo.

De mais a mais, em razão do espirito brincalhão do brasileiro, e isto está enraizado, é cultural, se desconsiderarmos o dolo, então estaremos diante de um crime de natureza objetiva, e a simples brincadeira, referência a expressões, mesmo numa roda de amigos, como ‘eita viado’, ‘poxa negão’, ‘esse é o japa’, e quejandos, estaremos propensos a sermos processados por injúria racial.

O tipo subjetivo, ao contrário do objetivo, tem como finalidade investigar o ânimo (vontade) do sujeito que praticar um tipo penal objetivo, ou seja, sua função é averiguar o ânimo e a vontade do agente. O dolo, como elemento subjetivo geral, resume-se à consciência e vontade do agente direcionadas à realização da conduta descrita em um tipo penal objetivo. O dolo, em suma, é a vontade de realizar um tipo objetivo orientada pelo conhecimento de todos os elementos componentes do tipo objetivo constatadas no caso concreto.

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