Autor: Carlos Alberto - Data: 18/05/2020 12:52
Uma prosa sobre racismo, injúria qualificada e vitimismo (III)
O desenvolvimento da tecnologia de comunicações permitiu a criação da rede mundial de computadores e, com ela, as redes sociais, que se constituem de interfaces criadas virtualmente para conectar pessoas, grupos e empresas que partilham um objetivo comum, o de se comunicar, partilhar interesses e divulgar ideias, produtos e serviços. Toda rede social permite a criação de um perfil do usuário e de relações que este estabelece com quem deseja se comunicar. As redes sociais também permitem a criação de grupos específicos que compartilham um projeto de identidade, uma visão de mundo e, igualmente, dos preconceitos que estas pessoas têm em comum. Assim como no mundo real, no mundo virtual, as pessoas expõem a sua opinião sobre os mais diferentes assuntos da humanidade, incluindo temas como racismo e discriminação. Enfim, desnudam-se.
Todos sabemos que não é de hoje que as redes sociais têm servido de palanque para que pessoas vomitem preconceito e ódio. Igualmente sabemos que as denúncias e punições, no entanto, não parecem fazer frear a necessidade de muitos usuários das redes sociais de exporem os seus preconceitos. O que antes era dito dentro de um círculo pessoal, ou entre familiares, agora é colocado na rede sem qualquer constrangimento, como se não fugisse da normalidade. Ou seja, nos últimos anos a internet tem constituído um espaço privilegiado para a prática de crimes de ódio, em especial o racismo.
O racismo no Brasil é um fato histórico-social fundado na necessidade de a elite dominante perpetuar o seu poder, tanto durante a escravidão quanto depois dela, justificando um preconceito que se fundamenta somente em estereótipos, mas que ganha força quando o sujeito pretende se diferenciar e aumentar a sua autoestima pela degradação do outro. Além disto, este preconceito serve a inúmeras formas de exploração, enraizadas nesta suposta supremacia racial, ainda que haja um discurso de igualdade através da democracia racial.
As redes sociais espelham este preconceito e as pessoas negras e pardas são continuamente xingadas, ofendidas, humilhadas pelos seus pares, constituindo-se a injúria racial, apesar de ser crime, um lado perverso de uma sociedade que se democratiza a cada dia. Não falamos apenas de nomes famosos, artistas ou apresentadores de programas de televisão (que possuem recursos para contrapor estas ofensas), mas de pessoas consideradas comuns, que são obrigadas a ver e ouvir toda sorte de xingamentos simplesmente porque tem a pele escura, o cabelo encaracolado ou outras características étnicas.
Denuncia-se esta situação e sonha-se com uma nova perspectiva, em que tanto na sociedade real como na virtual as pessoas possam reconhecer a importância da diversidade, respeitando o outro em suas características físicas e psicológicas. Não há nada de glorioso em se auto intitular superior. Este comportamento apenas revela a profunda ignorância do ser que em nada contribui para uma sociedade mais justa e igualitária. Isso sem falar na condição do ofendido, que tem a sua autoestima e identidade submetidas a tal tratamento, enfraquecendo sua condição de emancipação.
O Brasil tem uma dívida histórica com a população negra, que viveu quase quatrocentos anos como objeto de trabalho e troca e que, de uma hora para outra, com a libertação, foi jogada na mais pura miséria. Ainda que muitos tenham batalhado e conquistado seu espaço (meritocracia), ainda há muito por fazer para que os negros estejam em condição de igualdade para com os brancos. E o preconceito existente somente retarda esta possibilidade.
O que se pretendeu nesta ‘prosa’ foi dar uma pincelada nos tipos penais em relação ao preconceito e a discriminação racial inseridos na legislação brasileira. Pretendeu dar os contornos e as diferenças entre o crime de racismo e o crime de injúria racial. Dentre os dois, o mais polêmico é crime de racismo, pois é considerado um termo complexo para os estudiosos já que seu significado carrega várias possibilidades de empregá-lo. (Michele Berleze e Belinda Silva Pereira).
Não comungo do entendimento do STF no que concerne ao significado de racismo. Com a devida vênia o racismo não pode ser entendido na amplitude em que foi tratado, ou seja, abarcando muito além do preconceito e discriminação em razão da raça, cor e etnia. Para o STF, o racismo abrange qualquer comportamento discriminatório contra qualquer grupo ameaçado que possua uma identidade entre si, sem a necessidade de serem considerados uma raça ou etnia. Esse entendimento de amplitude do significado do racismo carrega certa insegurança jurídica, já que trata-se de uma conduta extremamente repelida pela Carta Magna que jamais poderia carregar um conteúdo impreciso.
Por evidente, qualquer que seja a linha de pensamento, é necessário e deve se travar uma luta diuturna no combate à discriminação e preconceito que surgiu ao longo da história, fruto da relação de dominação, opressão e segregação entre grupos que acreditam serem superiores aos demais em função de uma suposta raça.
A Constituição Federal de 1988, ao criminalizar o racismo, negou o discurso fácil e mentirosa de que somos uma nação sem preconceito de raças, pois esse preconceito sempre esteve camuflado. O só fato de admitirmos que somos sim um Pais preconceituoso já estamos dando grande passo no combate para extirpá-lo de nosso convívio. Mas sempre lembrando que o racismo envolve necessariamente discriminação e preconceito em razão da raça, cor ou etnia, portanto, a imprescritibilidade e a inafiançabilidade, previstas na Constituição Federal, se aplicam somente nesses casos. Quanto à injúria qualificada pelo preconceito (ou também denominada injúria racial) prevista no art. 140, §3º do Código Penal, esse tipo penal muito se aproxima do racismo, pois são crimes de preconceito e discriminação ligados à raça, cor e etnia.
A diferença está no bem jurídico protegido, na injúria racial o bem jurídico a ser protegido consiste na honra subjetiva da vítima, enquanto que o racismo é crime que tem como bem jurídico a igualdade racial. Apesar de terem os mesmos elementos, esses crimes tutelam bens jurídicos distintos.
A criminalização das condutas racistas espelha a exigência de extirpar o preconceito e a discriminação ainda existentes na sociedade. Há uma necessidade latente de igualdade entre todos os indivíduos, independente de qualquer diferença de raça, religião, cor, sexo, etnia, idade etc.
Assim, é fundamental o combate aos comportamentos segregacionistas, através das políticas públicas de conscientização da existência do preconceito, sendo a educação a maior ferramenta de reconstrução da história de todos os povos, raças, religiões, etnias etc. É imprescindível a implementação de políticas públicas que revertam o atual quadro de desigualdade, destacando entre elas as ações afirmativas, pelo incansável combate aos desníveis socioeconômicos causaos pelo racismo.
Por fim, é evidente a importância do Direito Penal como instrumento de repressão e prevenção na luta contra a impunidade.
Vitimismo.
Dizem aqueles que se intitulam como socialistas, que toda desigualdade do mundo é fruto da opressão. Em toda relação humana, há uma relação de poder que causa iniquidade. Todos os negros são vítimas porque sofrem racismo; as mulheres são reféns do patriarcado; gays, lésbicas e trans são vítimas de uma sociedade heteronormativa e homofóbica; terroristas islâmicos são vítimas da islamofobia; e por aí vai.
Mas e se você não tiver sido oprimido por ninguém? Não interessa. Para o socialismo, se você se sente uma vítima, então você é uma vítima. Mesmo que você nunca tenha sofrido discriminação, você com certeza sofreu microagressões, que nada mais são que atitudes e frases que não são feitas para não insultar, mas insultam. Afinal, vivemos num ambiente tão maçante que, mesmo quando somos oprimidos, não sentimos. É como sua respiração, tão natural que você nem percebe.
Ad exemplum. Quando as coisas não vão bem e você diz: “a coisa tá preta”, você está sendo racista, afinal, está associando a cor preta a algo ruim. A mesma coisa acontece quando você diz “mercado negro”. Outro exemplo é a expressão “inveja branca”. Quer dizer que só porque ela é branca ela não faz mal a ninguém? "Você está me denegrindo": Denegrir, segundo o dicionário, significa "tornar negro, tornar escuro", “não sou tuas negas”, etc.
Referidas frases são ditas em tom de brincadeiras, mas há quem entenda que é ‘coisa séria”, pois qualquer uma dessas frases tem conotação injuriosas ou caluniosas e, deveria parar de citá-las para não ferir sensibilidades. Ora, considerar estas e outras frases já incorporadas pelo cidadão que ao dizê-las, e ao dizê-las jamais perpassaria pela cabeça dela que estaria inocentemente cometendo uma injúria e, também, a pessoa a quem você estaria dizendo tais frases não estaria recepcionando nenhuma ofensa.
É bem de ver que vivemos em uma sociedade altamente preconceituosa, seja o racial, o social e o sexual, no entanto injúria racial, e me recusaria a crer que a destinatária dessas frases se sentiria ofendida. Ora, são frases que o negro diz ao negro; o negro diz ao branco; o branco diz ao branco e o branco diz ao negro.
Data máxima vênia, mas aqui só o vitimismo conseguiria explicar.
Há quem acredite que quando você abre a porta do carro para uma mulher, você não está sendo cavalheiro, mas sim, você está sendo machista, porque isso significa que você acha que ela é um ser incapaz que não consegue nem abrir a porta de um carro.
Pergunte a mulher se ela se sentiria diminuída, quando o cavalheiro se adianta e abre a porta para adentrar ao carro?
Quando você zoa um amigo dizendo que ele chorou como uma ‘mulherzinha’, você também está sendo machista, afinal, quem disse que chorar é coisa de mulher? Quem já não disse isso uai
Pagar a conta do encontro, do motel, então, machismo puro! Se você faz isso, quer dizer que você acha que mulher não consegue pagar as próprias contas. Pergunte a ela como ela se sente quando o cavalheiro paga a conta?
Educação, gentileza, cavalheirismo, bom senso são palavras que não estão no dicionário desses pseudos antirracistas.
No fim das contas, você só não é uma vítima se for homem, branco e hétero. A verdade é que aqueles que inadvertidamente reproduzem todo esse chororô vitimista se baseiam em sentimentos, não em fatos.
Você não é refém do meio em que vive ou daquele em que foi criado, você faz suas próprias escolhas. Não existe uma grande conspiração do cosmos.
Também não há conspiração contra gays. Isso são fatos, e os fatos não se importam com os seus sentimentos.
Quando você sair da faculdade, o seu patrão também não vai se importar com seus sentimentos. Ele vai querer que você produza. A vida não é um centro acadêmico: quando você se formar, vai ter de trabalhar, e muito.
Todo o seu discurso vitimista não vai te ajudar quando você for pra vida real. Pelo contrário, vai te atrapalhar. Se sentiu ofendido? Ninguém se importa. Você só vai se ofender se você se deixar ofender. Se você escolher o vitimismo, você será vítima de você mesmo.
Guaxupé, 15/05/2020. Milton Biagioni Furquim
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