Autor: Carlos Alberto - Data: 14/05/2020 10:43

Uma "prosa" sobre racismo, injúria racial e vitimismo ( I )

Dr. Milton Furquim, juiz de Direito, é cronista e formador de opiniões
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A nossa ‘prosa’ de hoje é na tentativa, nem sempre fácil, explicar e diferenciar o racismo da injúria racial qualificada, lembrando que ambos constituem crimes. O entender e diferenciar um crime do outro traz enorme dificuldade até para os operadores do Direito. Nem sempre conseguem distingui-los de maneira correta.
Da ideia errônea de raça é que surgiu o racismo, cuja doutrina de superioridade justifica a desumanização dos demais grupos, com base em suas características físicas distintas, valores ou atitudes, gerando os conflitos raciais, que se baseiam mais em estereótipos do que fatos científicos. Mas não se deve esquecer que o racismo, além do seu pressuposto ideológico, sempre esteve fundamentado em atividades econômicas ou de dominação dos povos, como aconteceu com os povos da américa latina, cuja inferioridade justificava a sua escravidão, cujos resquícios permanecem até hoje.
A sociedade brasileira criou, em sua trajetória histórica, a figura do negro como algo necessário e indesejável ao mesmo tempo, pois servia para alimentar o sistema econômico, mas não podia compartilhar da vida em sociedade, aproveitando os frutos de seu trabalho; aliás, diga-se de passagem, durante muito tempo o próprio trabalho, que depois veio a ser considerado como algo que dignifica o homem em si, era considerado obrigação de “negros” e vergonha absoluta de ser realizado por alguém de “alma branca”.
O crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. Salutar lembrar que o delito de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme nossa Carta Magna: Art. 5°, (…), XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Vejamos, então, uai, qual a conduta a ser praticada para caracterizar o crime de racismo, que nada mais é do que induzimento ou incitação a discriminação ou preconceito por motivo de cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional. Portanto conclui-se que para atingir o bem jurídico tutelado no art. 20 da Lei 7.716/1989 é preciso que a conduta do agente em sua discriminação ou preconceito raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional seja de forma abrangente comportando um todo.
Ainda, tratando-se da figura típica do racismo ficou claramente comprovado que a conduta do agente exigida para caracterizar tal delito concentra-se na ‘vontade’ de ultrajar uma raça como um todo e não apenas a vítima. Ainda, para maior elucidação do tipo penal incriminador em comento, tem-se que é movido por meio de ação penal pública incondicionada, o elemento subjetivo é o dolo (vontade direcionada a um fim) de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito.
Como já anteriormente comentado, o significado de racismo está ligado ao preconceito e discriminação em relação à raça, e ainda inseridos nesse contexto estão a cor e a etnia, isso porque são termos próximos que na prática se confundem. No Brasil, de maneira geral, vivenciamos um racismo fundado mais na tonalidade de pele do que propriamente na origem d pessoa.
Tenho que a configuração do delito é afastada quando houver outro ânimo, ou seja, se for uma brincadeira (animus jocandi), uma crítica artística, entre outros. (obs. Veremos que os vitimistas não admitem) O delito de racismo tem como sujeito passivo a sociedade, em especial a raça ou grupo atingido pela ofensa a ele dirigida. Isso deve-se ao fato de que o bem jurídico tutelado é o princípio da igualdade, preceito fundamental da sociedade brasileira. Não há obstáculo para que o ofendido também configure como vítima do crime, por exemplo, quando é proibido o acesso de uma pessoa a um restaurante em razão de sua cor.
Exemplificando tal explicação, tem-se que “Kutiula,” em entrevista a uma rádio local faz o uso das seguintes palavras “todo negro é macaco”, “o negro quando não caga na entrada, caga na saída) denota-se que o bem jurídico ofendido seria a igualdade e o respeito entre as etnias, da qual percebe-se claramente que conduta do agente “Kutiula” nesse caso foi o preconceito de forma abrangente da raça afro descendente restando na implicação do que dispõe o crime de racismo.
Apesar de garantir a igualdade de tratamento e criminalizar o racismo, a Constituição cidadã não regulamentou o tema, deixando para que o assunto fosse tratado em alguma lei especial. Para esse fim, surgiu a Lei n. 7.716/89, também conhecida como “Lei Caó”, por ter sido proposta pelo jornalista, ex-vereador e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, que ampliou os elementos dos tipos penais e aumentou o rol de condutas de discriminação e preconceito antes previstos na Lei Afonso Arinos (Lei n. 1.390/51).
Na análise do elemento subjetivo do tipo, percebe-se que ele é idêntico em todos os crimes da Lei n. 7.716/89. Consiste no dolo, vontade livre e consciente de praticar as condutas descritas no tipo penal.
INJÚRIA RACIAL. Sabe-se que o crime de injúria racial se caracteriza por atingir a honra subjetiva de outrem, utilizando-se de elementos referentes à raça, cor e etnia, ou seja, o sentimento que cada pessoa tem a respeito de seu decoro ou dignidade, de maneira que somente o ofendido (ou injuriado) pode afirmar se o delito se configurou.
há imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito do ofendido (“negro sujo”, “sub raça”, “lixo”, dentre outros) que, se ocorrer prevalecendo-se o autor de elementos referentes à raça, cor e etnia, será qualificada (artigo 140, parágrafo 3º do CP).
Por outro lado, quando se der a injúria em que houve-se com dolo, não haverá qualquer elemento que isente o réu de pena ou que afaste a sua culpabilidade, eis que as palavras utilizadas, por certo e por si sós, mostram-se injuriosas e ultrajantes à pessoa do ofendido, e sobretudo quando baseado em sua diferença de cor, caracterizando assim o que chamamos de injúria racial. (1000tons Guaxupé, 11/05/2020)

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